Nos últimos meses, temos testemunhado um confronto que vai muito além de uma simples renegociação de contratos. É uma verdadeira redefinição de poder no mercado de distribuição audiovisual — a guerra entre dois gigantes sinaliza uma mudança estrutural. O cenário tradicional de simetria entre produtoras de conteúdo e distribuidores de TV por assinatura está se rompendo, e esse embate tem consequências profundas para todo o ecossistema de mídia.
De um lado, uma empresa com legado histórico na produção de canais lineares, esportes e entretenimento familiar. Do outro, uma plataforma digital com ambição de se tornar protagonista não apenas na internet, mas na sala de estar de milhões de lares. A tensão surge porque os modelos de negócio mudaram: não basta mais negociar pacotes de canais como se estivéssemos em uma era estática. A dinâmica agora exige entender que a audiência se fragmenta, migra e se reorganiza de maneiras que antigas estratégias não contemplavam.
Uma peça central desse movimento é o esporte, que se consolida como âncora de valor em um mercado fragmentado. Enquanto muitos serviços buscam audiência com séries, filmes e programas sob demanda, as disputas esportivas continuam sendo um dos poucos formatos capazes de atrair milhões simultaneamente. Isso dá força estratégica e negociação para quem detém esses direitos, especialmente quando o consumidor exige flexibilidade e integração digital. A capacidade de migrar jogos de uma plataforma linear para um ambiente direto ao consumidor muda a lógica de dependência.
Além disso, há uma questão fundamental de relacionamento direto com o público: a retenção de dados, a personalização e o controle sobre o assinante. Para empresas que produzem conteúdo premium, manter o consumidor dentro do próprio ambiente digital é crucial. Isso permite não apenas segmentar ofertas, mas também construir modelos de negócio mais dependentes da escala — e menos de intermediários tradicionais.
Enquanto isso, os distribuidores digitais — com poder de barganha crescente — buscam garantir que seu catálogo não fique refém de exclusividades que limitam sua competitividade. Eles argumentam que pagar demais por redes lineares ou perder conteúdo estratégico para plataformas rivais pode minar sua proposta de valor. E mais: querem que a transição para modelos híbridos — que combinam linear e streaming — seja vantajosa para seus assinantes.
Um blackout prolongado entre as partes escancara quem tem mais alavancagem. Quando canais importantes saem do ar, não é apenas uma ruptura de serviço, mas um recado claro sobre quem pode se dar ao luxo de resistir mais tempo. Isso testa não apenas a paciência do consumidor, mas a robustez financeira e estratégica de cada lado.
Mas não é só sobre cortar ou restaurar sinais. Trata-se de repensar todo o mecanismo de distribuição: pacotes híbridos, ambientes digitais próprios, migração de conteúdos esportivos e lineares para serviços diretos. Essa disputa reflete o novo normal da mídia: não há mais simetria, não há mais certezas fixas. As empresas precisam se adaptar ou arriscar perder relevância.
No final das contas, a grande lição é que o poder na mídia já não reside exclusivamente na criação de conteúdo, mas cada vez mais no controle da distribuição e na qualidade da experiência para o assinante. Quem dominar esse novo mapa terá vantagem — e quem subestima essa mudança pode acabar ficando para trás.
Autor: Idapha Sevel

